Mais seis títulos de uma nova ofensiva bergmaniana, em Lisboa e no Porto.
Depois da mega-operação que, no ano passado, trouxe de volta aos écrans 17 filmes de Ingmar Bergman, eis que regressam mais seis, para ver no Nimas entre hoje e o dia cinco de agosto, reunidos sob o título “Bergman Inesgotável”.
O que é uma grande verdade, pois que nem assim, com dezassete + seis, fica esgotada a obra do gigante sueco. Os seis títulos propostos nesta nova ofensiva bergmaniana são todos eles significativos, mesmo que – com eventual exceção da Flauta Mágica – não se contem entre os títulos mais célebres ou mais vistos do realizador. Cronologicamente o mais antigo é Rumo à Felicidade, um filme de 1949 que na obra de Bergman precedeu imediatamente Mónica e o Desejo, o filme da sua definitiva “explosão” internacional. Passa-se num ambiente musical (o “Hino à Alegria” aparece no fim, como que rimando o título do filme) e centra-se num casal de músicos, na infidelidade do marido, e na mistura de culpabilidade e tristeza que o assola a ele depois da morte acidental da mulher. Uma das coisas notáveis do filme – como que antecipando Morangos Silvestres – é a presença de um dos grandes mentores de Bergman, Victor Sjostrom, no papel do maestro.
O filme seguinte é O Rosto de 1958, um dos mais depreciados filmes do cineasta. Mesmo nos Cahiers, onde Bergman era reverenciado, se escreveu que o filme mostrava a que ponto o cineasta tinha “o talento de depreciar o seu próprio talento”. Mas é um filme que reúne várias preocupações de Bergman – a relação realidade/espetáculo, facilmente transponível para o cinema ou para o teatro mesmo se o protagonista (Max von Sydow) é um ilusionista acusado de charlatanice. Depois vem A Fonte da Virgem, de 1959, outra incursão na época medieval sueca (como O Sétimo Selo), plena de interrogações teológicas e referências religiosas, num trabalho plasticamente maravilhoso (é, de resto, o momento em que o diretor de fotografia Sven Nykvist “arranca” para uma colaboração praticamente ininterrupta com Bergman durante décadas”).
Luz de inverno, de 1963, é o segundo tomo da trilogia do “Silêncio de Deus”, entre Em Busca da Verdade e O Silêncio. É uma das obras maiores de Bergman, interrogando a relação do Homem com o Divino duma forma frequentemente associada a Bresson (João Bénard da Costa, em texto sobre o filme, chamou-lhe o Diário dum Pároco de Aldeia de Bergman). Ao nível da mise en scène, há uma austeridade do mesmo tipo, maneira de fazer ressaltar a interioridade e as dúvidas dos seus protagonistas (mormente o Pastor, Gunnar Bjornstrand, e a sua crise de fé).
Mudamos completamente de registo em A Força do Sexo Fraco, de 1964, de que devíamos esquecer o título que à época o distribuidor português encontrou para ele e ficar com o original, algo como Todas Essas Mulheres. É um dos filmes mais venenosos de Bergman, que não deixa de se picar a si mesmo com o seu próprio veneno, numa história contada em modo de farsa por vezes quase burlesca (e colorida) sobre um “grande artista” e as mulheres que, na vida e na morte, o “protegem” a ele e à sua memória. Feito com raiva dirigida aos críticos suecos que não paravam de o arrasar (há um personagem dum “crítico” a concentrar esta raiva), o filme foi um fiasco que o próprio Bergman considerou “merecido”. Mas apesar desta má fama, é um filme que vale bem a pena (re)descobrir.
E finalmente, flash-forward para dez anos depois, e para o maravilhoso A Flauta Mágica (1975), um dos mais bonitos “filmes-ópera” alguma vez feitos, e o filme em que Bergman presta explícita devoção a um dos seus maiores amores e inspirações, Wolfgang Amadeus Mozart.
Este ciclo estará presente no Espaço Nimas em Lisboa, durante seis semanas, entre 25 de junho e 6 de agosto. No Porto, no Teatro Municipal Campo Alegre, a partir de 2 de julho e durante quatro semanas.
por Luís Miguel Oliveira, in jornal Público | 25 de junho de 2015
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