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Festival de Almada

Um festival de teatro para nos confrontarmos com os melhores

Festival de Almada 2015
Fräulein Julie, versão da encenadora inglesa Katie Mitchell para a peça A Menina Júlia, de Strindberg [Thomas Aurin]

Com uma das mais fortes edições dos últimos anos, o Festival de Almada apresenta entre 4 e 18 de Julho encenações de alguns dos nomes maiores do teatro europeu. E aproveita para saudar Peter Stein como um dos seus mestres.
“Temos a sensação de que cada vez que apresentamos aqui um espetáculo o público vem para gostar, e não para não gostar, censurar e criticar”. Luis Miguel Cintra, diretor do Teatro da Cornucópia, resumiu assim a relação da sua companhia com o público do Festival de Almada, na apresentação da 32ª edição do evento.
O encenador português apresentará uma das grandes apostas da programação ao levar a palco (5 e 7 de Julho, Teatro Municipal Joaquim Benite) a sua visão daquela que carimba como “uma das melhores peças de todos os tempos”. Hamlet, de Shakespeare, é uma co-produção da Cornucópia com a Companhia de Teatro de Almada (CTA), promotora do festival, e dá seguimento à homenagem que a edição de 2014 prestou ao encenador. Para Luis Miguel Cintra, Almada oferece-lhe uma oportunidade de ousadia incomum, ao poder montar um espetáculo de quase quatro horas que corresponde à sua tentativa de “fazer a peça mais conhecida de todas de maneira que as pessoas a percebam”. Para isso, destaca, é fundamental este Hamlet fazer-se com a tradução de Sophia de Mello Breyner.
Rodrigo Francisco, diretor da CTA e do festival que decorre entre 4 e 18 Julho em várias salas de Almada e de Lisboa, junta o nome de Luis Miguel Cintra aos de Peter Stein, Christoph Marthaler, Katie Mitchell, Paolo Magelli e Matthias Langhöff para falar de uma “edição rara” ao elencar num mesmo ano tantos nomes cimeiros do teatro europeu. O histórico encenador alemão Peter Stein, responsável pela afirmação da berlinense Schaubühne na década de 70, atira-se pela primeira vez à obra de Harold Pinter, dirigindo o italiano Teatro Metastasio Stabile della Toscana em O Regresso a Casa (11 e 12 de Julho, no Teatro Nacional D. Maria II), ao mesmo tempo que é o segundo convidado da secção O Sentido dos Mestres, dedicando três tardes à partilha da sua conceção do teatro. “O Peter Stein não teria aceitado fazer agora O Sentido dos Mestres se não tivesse estado em 2012 e em 2013 com espetáculos no festival”, assegura Rodrigo Francisco ao PÚBLICO. “As pessoas reconhecem em nós – e essa é também uma das formas que temos de conseguir fazer isto com tão poucos meios – um empenho de quem faz o festival não por interesses comerciais mas por um amor ao teatro.”
O regresso de Cintra e Stein a esta sua casa que é o Festival de Almada vinca também uma das grandes preocupações da CTA – criar laços com estes criadores, tornando-os não apenas figuras de passagem na sua história, mas referências a que importa sempre voltar. “Enquanto companhia que organiza um festival”, reforça Rodrigo Francisco, “aproveitamos para nos confrontarmos com aqueles que são muito melhores do que nós. Já que somos um país tão periférico, se não nos confrontarmos com o que de melhor se faz no mundo corremos o risco de enquistarmos numa fórmula e isso pode ser perigoso.”
Em vez disso, Rodrigo prefere cruzar-se com o público que, ao sair de um espetáculo de Peter Brook ou Peter Stein, por vezes lhe pergunta “Quando é que fazes um espetáculo assim?”. Se isso, num repente, pode soar desanimador, a verdade é que o Festival de Almada faz assumidamente da CTA uma companhia mais exigente com o seu percurso e tem formado um público habituado a assistir a espectáculos de primeira grandeza.
Esqueleto a um ano
É essa grandeza, aliás, que implica um planeamento de cada edição do festival com uma grande antecedência. “Daqui a uma semana”, diz ainda Rodrigo Francisco ao PÚBLICO, “vou ter uma reunião para começar a preparar o próximo ano.”
Atualmente, o esqueleto de cada edição está já esboçado com um ano de antecipação, até por este ser um prazo exigido pelos financiamentos conseguidos junto de organismos estrangeiros. “É um bocadinho angustiante estar sempre a viver no futuro, a olhar para a frente, mas não poderia ser de outra forma”, confessa. Mas é essa planificação que permite trazer a Almada espetáculos de maior envergadura, como é o caso de Fräulein Julie, versão da encenadora inglesa Katie Mitchell para a peça A Menina Júlia, de Strindberg, a convite da Schaubühne, e que o Festival de Almada tentava programar há já quatro anos. Cruzando a linguagem teatral com a cinematográfica, Fräulein Julie é, nas palavras do programador, “muito diferente daquilo que fazemos como companhia de teatro e daquilo que se faz em Portugal”, ocupando o palco do Teatro Municipal Joaquim Benite, dias 13 e 14 de Julho.
A Menina Júlia foi igualmente a primeira encenação de Rogério de Carvalho para a CTA, em 1986. O diretor teatral, cuja relação artística com a casa tem-se revelado extremamente profícua, é o homenageado desta edição, sendo-lhe dedicada uma exposição documental durante todo o festival no átrio da Escola D. António da Costa.
Não obedecendo a qualquer mandamento temático, há no entanto possíveis pontos em comum que Rodrigo Francisco cita na sua apresentação, como a coincidência de reflexões sobre a Europa detetáveis tanto em Hotel Belvedere, encenação de Paolo Magelli do texto de Horváth para o Teatro Metastasio, e “o olhar de um não europeu sobre e Europa” que o argentino Rafael Spregelburd assina em Furia Avicola (ambas na Escola D. António da Costa, a 8 e 16 de Julho, respetivamente). A Argentina, que esteve em foco há um ano, dá agora lugar ao ciclo Novíssimo Teatro Espanhol, assente em seis peças programadas em parceria com a Acción Cultural Española, com o intuito de contrariar “a grande barreira cultural entre estes dois países vizinhos”.
Entre os 27 espetáculos do festival há ainda um pequeno foco dirigido a duas produções do Teatro Nacional de Cluj-Napoca, um exemplo das “vantagens de um teatro nacional com um grande elenco fixo” capaz de apresentar em dias consecutivos um texto clássico (O Ginjal, de Tchékhov) e um contemporâneo (O Espectador Condenado à Morte, de Matei Visniec). Pelo Festival de Almada passarão ainda o fundamental Berliner Ensemble e uma série de novas criações das companhias portuguesas Teatro dos Aloés, Mala Voadora, Ao Cabo Teatro e Teatro do Bairro, assim como reposições de Artistas Unidos, Teatro do Vestido e Teatro Meridional.
A abertura do 32º Festival de Almada, a 4 de Julho, far-se-á com King Size, de Christoph Marthaler, cama tamanho king size instalada na almadense Escola D. António da Costa, onde cabem tanto o lied de Schumann como as canções dos Jackson Five.
 
por Gonçalo Frota, in Público | 19 de junho de 2015
Notícia em Destaque, no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público
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