As colónias de que somos feitos no prémio Novo Banco Photo
Ângela Ferreira, Ayrson Heráclito e Edson Chagas são os artistas nomeados.
O colonialismo no Brasil, em Moçambique, em Angola. O colonialismo do passado que deixou raízes para o presente. Imagens de ontem e de hoje na exposição que esta quarta-feira o Museu Coleção Berardo, em Lisboa, inaugura. O prémio mudou de nome mas tudo o resto se mantém. Continua a ser uma das mais importantes distinções nas artes contemporâneas, a mais importante na fotografia, no valor de 40 mil euros. Ângela Ferreira, Ayrson Heráclito e Edson Chagas são os artistas nomeados.
Foram escolhidos pelo seu trabalho e desafiados a criarem um projeto artístico para Novo Banco Photo. Um brasileiro, uma portuguesa e um angolano. Trabalharam sozinhos, sem que soubessem o que cada um preparava, e no final apresentam uma exposição que parece ter sido pensada em conjunto. “É uma edição muito especial, tem talvez a maior continuidade que até aqui este prémio alguma vez teve”, disse na apresentação à imprensa Pedro Lapa, diretor-artístico do Museu Berardo, defendendo que os trabalhos de Ângela Ferreira (Portugal), Ayrson Heráclito (Brasil) e Edson Chagas (Angola) “estendem-se e criam uma só exposição”. “Isto é muito significativo e importante para o museu, são problemáticas comuns”, continuou o diretor ao mesmo tempo que se congratulava com o facto de o prémio não ter caído com o desaparecimento do Banco Espírito Santo, anterior promotor. “Foi um momento difícil mas ainda bem que continuou, este prémio tem permitido a aproximação entre artistas portugueses, brasileiros e africanos de expressão portuguesa.”
E é essa aproximação que salta à vista na exposição que ficará em Lisboa até outubro. Entramos na sala e somos imediatamente confrontados com as fotografias de Edson Chagas. Luz baixa, paredes escuras e areia brilhante. Areia da praia da Ilha do Cabo, em Angola. Uma tabela de basquete e nada mais. Os objetos têm sido o seu foco de trabalho e para o Novo Banco Photo Edson Chagas quis refletir sobre a forma como as pessoas se relacionam com estes num espaço público. “Este parque é um espaço novo, olho para ali como um espaço livre na praia, sem grandes especificidades”, explica aos jornalistas o artista angolano de 38 anos que participou no Pavilhão de Angola na Bienal de Arte de Veneza, em 2013, e que venceu o Leão de Ouro. “Observei as interações diferentes que as pessoas tinham aqui, tão depressa havia alguém a correr e a fazer ginástica como outra pessoa a ouvir música muito alto ou a beber uma cerveja”, conta. O espaço é o que cada um quer que ele seja mesmo que alguém o tenha construído com algum outro propósito. “De alguma forma reflete a minha vivência em Luanda, cidade caótica a crescer muito rápido, é como se este parque fosse uma possibilidade de escape.”
De Luanda passamos para Lisboa, ou Moçambique nos anos 1950. Ângela Ferreira não quer deixar esquecida a história colonial.
Há muitos anos que se debruça sobre o tema e aqui quer mostrar como “o sistema colonial perdura” nos dias de hoje. “Portugal tem conseguido evitar falar sobre a descolonização” mas a artista teima em querer contar o que se passou. Ângela Ferreira traça a relação arquitetónica entre os edifícios do Museu Nacional de Etnologia e do Ministério da Defesa Nacional (Antigo Ministério do Ultramar) separados por poucos quilómetros na zona de Belém e o trabalho que entre eles se fazia. Investigou a fundo o trabalho que o antropólogo Jorge Dias, fundador do museu, e a sua mulher, Margot Dias, levaram a cabo em Moçambique sobre o povo maconde, e percebeu que estes não foram apenas investigadores mas também políticos. “Jorge Dias e a sua mulher eram pagos pelo Ministério do Ultramar, escreviam relatórios políticos”, conta a artista, para quem este casal pactuava com o sistema. A pouca distância entre os edifícios é a pouca distância que existia entre o trabalho dos antropólogos e o trabalho do ministério. “As ideias políticas viajavam de um lado para o outro.”
Para dar sentido à sua investigação, Ângela Ferreira, de 57 anos, construiu uma estrutura de madeira, acima do nível do solo, à qual o público é convidado a subir e a sentar-se para ver um vídeo de 18 minutos que recupera imagens captadas na altura por Margot com registos áudio do casal sobre o trabalho que desenvolviam.
Daí, saltamos para o Brasil e o seu passado esclavagista. Ayrson Heráclito, 46 anos, debruça-se sobre o “sacudimento”, ritual afro-brasileiro que é quase um exorcismo no qual as paredes das casas que em tempos serviram ao tráfico de escravos são como que sacudidas/limpas por folhas sagradas. A Casa da Torre, na Bahia, no Brasil, e a Maison des Esclaves, na Ilha de Gorée, são as escolhidas pelo artista brasileiro a expor em Portugal pela primeira vez. “Este é um testemunho da crueldade que foi feita com as famílias de escravos”, conta Heráclito que quer “sacudir a história”, obrigando à reflexão do “holocausto que foi o esclavagismo”.
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