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HÁ CEM ANOS O TERRAMOTO ORPHEU VIROU DO AVESSO A LITERATURA PORTUGUESA

Há cem anos o terramoto Orpheuvirou do avesso a literatura portuguesa


Gesto fundador do nosso modernismo, Orpheu foi o início de uma aventura criativa que atravessou
todo o século XX ©José Frade

Colóquios, exposições, lançamentos, leituras públicas e outras iniciativas comemoram o centenário da revista de Pessoa e Sá-Carneiro.

Na primeira metade do século XX português não houve escassez de revistas literárias importantes e duráveis, como a Águia (1910-1932) ou a Presença (1927-1940), para citar apenas duas. Mas é hoje surpreendentemente consensual que a mais influente e icónica de todas foi uma efémera publicação de que apenas saíram dois números no primeiro semestre de 1915. Chamou-se Orpheu e foi recebida pela imprensa da época com títulos como “Literatura de Manicómio”, “Os Poetas do Orpheu e os Alienistas” ou “Orpheu no Inferno”.

Decorrido um século, o centenário do lançamento do primeiro número de Orpheu, que terá saído da gráfica a 24 de março de 1915, vai ser evocado por estes dias em colóquios, exposições, lançamentos, leituras públicas e outras iniciativas. Tudo somado, não é de mais, já que Orpheu não foi apenas um terramoto que deixou irreconhecível a paisagem literária portuguesa da época, foi também, enquanto gesto fundador do nosso modernismo, o início de uma aventura criativa que atravessou todo o século XX e que só agora começa a dar sinais de esgotamento. E foi ainda, sobretudo no seu segundo número, a materialização mais significativa da colaboração entre dois génios criativos: Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro. Sem eles, poderia ter existido Orpheu, mas dificilmente estaríamos hoje a celebrar o seu centenário.

No plano académico, o momento mais significativo destas comemorações é o grande colóquio luso-brasileiro 100 Orpheu, que decorre em Lisboa, na Gulbenkian e no Centro Cultural de Belém, entre os dias 24 e 28, e que terá depois uma etapa brasileira em São Paulo, no final de maio. Com pessoanos de várias gerações e proveniências, de Eduardo Lourenço ou Teresa Rita Lopes a Richard Zenith, Steffen Dix e Jerónimo Pizarro, o congresso começou com um aperitivo portuense na Fundação Eng.º António de Almeida, que inaugurou ontem o colóquio Orpheu e o Modernismo Português e a exposição Memória d’Orpheu.

Na Biblioteca Nacional, abre no dia 24 a exposição Os Caminhos de Orpheu, organizada por Richard Zenith, que mostra o percurso da revista desde os seus antecedentes até às posteriores tentativas de Pessoa para ressuscitar o projeto. A par de muitos outros materiais que documentam a história de Orpheu, e não esquecendo a importância que as artes plásticas e gráficas tiveram no movimento, a exposição inclui vários papéis inéditos, incluindo documentos que demonstram que o envolvimento de Pessoa na produção do célebre número zero da revista Contemporânea, em 1915, foi muito mais decisivo do que se pensava.

Ocupando vários espaços da Casa Fernando Pessoa (CFP), inaugura-se a 25 a exposição Os Testamentos de Orpheu, de Pedro Proença. E a CFP está ainda a desenvolver com o Instituto Camões (IC) uma outra mostra – Nós, os de Orpheu –, que circulará em Portugal e na rede internacional do IC. E, a partir de 28 de março, propõe-se fazer regressar Orpheu aos cafés onde o projeto foi pensado e discutido, convidando atores a ler textos que convoquem “o espírito do grupo” que fez a revista.

Mais discretas mas não menos importantes, duas iniciativas editoriais assinalam o centenário de Orpheu: 1915 – O Ano do Orpheu, com organização de Steffen Dix, uma belíssima edição da tinta da China (a capa inspira-se no grafismo do segundo número de Orpheu). O livro acabou de ser lançado e reúne textos de mais de 20 investigadores, contextualizando o surgimento da revista, abordando as experiências afins noutras literaturas europeias e tratando individualmente os “órficos” mais relevantes. Em abril, a Assírio & Alvim lançará, na coleção Pessoa Breve, o volume Sobre Orpheu e o Sensacionismo, coorganizado por Fernando Cabral Martins e Richard Zenith.  

por Luís Miguel Queirós, in jornal Público | 20 de março de 2015


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